quarta-feira, 1 de setembro de 2010

Os Trabalhadores e o Desenvolvimento




Nivaldo Santana (*)


O programa do PCdoB, aprovado em seu XII Congresso, em 2009, apresenta uma nova formulação teórica, com o objetivo de dar uma concatenação viva e concreta entre a tática e a estratégia. Nesse rumo, define a luta pelo desenvolvimento e fortalecimento da nação como pressuposto para trilhar o caminho para a edificação do socialismo no país.

O novo projeto nacional de desenvolvimento (NPND), nos termos colocados pelo programa partidário, é a tarefa central da atualidade, o meio para fazer o país avançar no rumo progressista.O desenvolvimento passa a ser a questão substantiva, a luta principal da atual etapa histórica. Com ele, se pretende afirmar a soberania nacional e a libertação do país das amarras do imperialismo. Essa luta se relaciona com os passos necessários para a transição rumo ao socialismo.

A estratégia de transição para o socialismo requer a ultrapassagem de uma grande encruzilhada histórica do país. A disjuntiva está colocada: a realização do programa desenvolvimentista e o salto civilizacional ou o retorno do conservadorismo neoliberal, que perdeu força com a crise, mas não ainda sobrevive com relativa força.

O programa conservador foi particularmente forte no Brasil nos anos chamados de Era FHC. Nesse período, falar em desenvolvimento era algo demodèe. Os pregoeiros do estado mínimo ressuscitaram a idéia da “mão invisível do mercado” para regular a economia e promover o desenvolvimento.

Com o fracasso dessa nova panacéia universal e a emergência de grave crise no sistema capitalista, volta a ganhar força a idéia do Estado como indutor do desenvolvimento e promotor da justiça social. A vida demonstrou à exaustão que as forças de mercado desreguladas conduzem a resultados medíocres: pouco ou nenhum crescimento econômico e ampliação das desigualdades sociais e regionais.

Cabe ao estado, ao contrário do que tagarelam os velhos e novos liberais, a missão essencial de planejar e viabilizar o desenvolvimento nacional, articular o mercado em função desse planejamento e ser a força motriz do crescimento. Essa é a premissa básica para se falar seriamente em desenvolvimento.

Definido esse parâmetro conceitual, a tarefa seguinte é elencar os setores estratégicos que devem ser priorizados. Aumentar a capacidade de investimento estatal e privado, ampliar os gastos em ciência, tecnologia e inovação, aumentar a produtividade, melhorar a infraestrutura, diversificar as relações externas, com prioridade para a integração solidária latino-americana.

A complexa realização de projeto de tal magnitude exige a articulação de amplas forças sociais, com interesses diversos e muitas contradições. O Brasil é um país complexo, heterogêneo. Nenhuma força política ou social, isoladamente, reúne condições para empreender projeto de tal envergadura, daí a necessidade de se construir uma maioria política heterogênea.

Essa grande coalizão deve ser nucleada por forças sociais avançadas. Os trabalhadores, em particular, devem estar na dianteira da luta pelo desenvolvimento, procurando combinar, nessa empreitada, o desenvolvimento com uma distribuição mais eqüitativa dos frutos desse progresso.

Marx já destacava, no Manifesto do Partido Comunista, que “só o proletariado é uma classe verdadeiramente revolucionária e, por ser a camada inferior da sociedade atual, ao se libertar, liberta ao mesmo todos os estratos superpostos: o primeiro movimento da imensa maioria em proveito da imensa maioria”.

Quando se discute o papel específico dos trabalhadores na luta pelo desenvolvimento nacional, é preciso refutar algumas teses que negam a divisão de classes, falam em sociedade pós-industrial em que os trabalhadores perdem o protagonismo.

Essas teses não podem ser subestimadas. Ganham força principalmente com a chamada 3ª Revolução Industrial e o surgimento da microeletrônica, robótica, telecomunicações, código de barras, além do toyotismo como forma crescente de gestão da produção e distribuição.

Essas mudanças na base material da sociedade e a crise política e ideológica provocada pela crise do socialismo e pela hegemonia das idéias neoliberais jogam no moinho daqueles que consideram que o trabalho perdeu centralidade na luta pela transformação social.

No entanto, o próprio Marx já admitia que “as diversas capacidade de trabalho que cooperam e forma a máquina produtiva total participam de maneira muito diferente do processo imediato de produção de mercadorias – este trabalha mais com as mãos, aquele trabalha mais com a cabeça, um como diretor, engenheiro ou técnico, etc., outro como capataz, um outro como operário manual direto ou inclusive como simples ajudante”.

Esse conceito ampliado de proletariado reafirma a condição dos trabalhadores como classe social mais numerosa da sociedade e, por isso mesmo, os que reúnem condições vantajosas para o exercício desse papel protagonista.

O protagonismo político da classe, no entanto, precisa ser conquistado. Essa conquista requer múltiplas atividades, passando pela união de diferentes correntes políticas que atuam no interior do movimento dos trabalhadores. A unificação das ações e definição de uma agenda própria para o projeto de desenvolvimento se dá tanto na luta econômico-sindical quanto na luta político-partidária.

Por isso, um problema crucial é a elevação da consciência classista dos trabalhadores, a capacidade de saber articular suas demandas imediatas com seus interesses estratégicos. A defesa da agenda própria fortalece a frente e incorpora a fundamental contribuição dos trabalhadores para dar consistência ao projeto de desenvolvimento.

As contradições no interior da frente são inevitáveis, mas não devem servir de pretexto para escamotear os interesses distintos, a pretexto de priorizar a unidade, tampouco deve servir de argumento para subestimar a luta de idéias, indispensável no terreno da ampla unidade nacional para fazer o país avançar.

Armando dessa compreensão estratégica, deve-se passar para os meandros da lutas concretas do dia-a-dia. Na presente conjuntura, avulta a necessidade de uma plataforma comum que sirva de alavanca para impulsionar a luta pela terceira vitória do povo na sucessão presidencial. Garantir a continuidade e o aprofundamento do ciclo progressista inaugurado pelo governo Lula é a tarefa essencial para acumular forças no objetivo proposto.

Para os trabalhadores, a parte mais palpável do desenvolvimento atende pelo nome de valorização da força de trabalho. Lutar pelo pleno emprego, pela elevação dos salários reais, pela redução da jornada de trabalho, pela ampliação dos direitos trabalhistas e previdenciários, tudo associado à manutenção e ampliação da liberdade e autonomia sindical são pontos centrais da agenda dos trabalhadores.

Essa agenda contempla medidas que apontam para o progresso social, para a ampliação da participação do trabalho na distribuição da renda. Os ganhos de produtividade advindos com o maior desenvolvimento devem incidir na ampliação da renda dos trabalhadores e na diminuição da carga horária de trabalho.

A vida do trabalhador tem múltiplas dimensões. Associada a esta pauta específica, também deve estar no topo das prioridades a luta pela universalização dos serviços de saúde e educação, a reforma urbana que garanta moradia, cultura, transporte e segurança para a família do trabalhador.

Integram também a plataforma dos trabalhadores a luta pela reforma agrária e o apoio à agricultura familiar, à reforma tributária progressiva que taxe mais os ganhos financeiros e desonere o trabalho e a produção. Tudo isso deve se somar com a luta pela ampliação da democracia no país, com reforma política avançada e a democratização dos meios de comunicação.

Esse novo projeto nacional de desenvolvimento dá os seus primeiros passos com o governo Lula. É correto afirmar que, a partir de 2003, o Brasil segue uma nova rota, sintonizado com os ventos progressistas que sopram na América Latina. As alternativas ao neoliberalismo em curso seguem caminhos próprios em cada país. O que predomina são as singularidades do processo de mudanças, o itinerário e ritmo particulares de cada governo. Não há modelos de validade universal.

Os avanços no Brasil, por exemplo, são realizados em meio a muitas contradições e compromissos. A política econômica do governo, por exemplo, se caracteriza pelo é hibridismo. Combina aspectos desenvolvimentistas com conservadorismo macroeconômico.

Essa realidade é produto da correlação de forças, onde os setores financeiros tem muita força. O desafio é domar e reverter a gula dos rentistas. Defender os interesses dos trabalhadores, concertar alianças com os setores produtivos ligados aos interesses nacionais, tudo isso sem abrir mão da agenda própria.

Para tanto, as lutas dos trabalhadores precisam ganhar robustez. As vitórias políticas são indispensáveis para dar curso a esse projeto mudancista. A mobilização ampla para desatar o nó da hegemonia do setor financeiro se dará em melhores condições com um governo compromissado com o novo projeto.

Para sustentar esse desafio, os trabalhadores precisam reunir mais força. A amplitude e a sagacidade política são armas poderosas, sem o uso das quais a classe não ocupará papel protagonista no novo projeto nacional de desenvolvimento.

A valorização da força de trabalho é um pilar central para um mercado interno forte. Associado a isso, os trabalhadores devem pugnar por mudanças na gestão da política macroeconômica, com destaque para a luta pela diminuição das taxas de juros, por uma nova política cambial e pela drástica redução do superávit primário.

O Brasil, pelas suas dimensões continentais, pela sua grande população e pelo grande potencial que tem, não pode ficar refém dos interesses financeiros, nem acomodar-se na condição de mero exportador de produtos primários ou de baixo valor agregado

Uma nação próspera e de economia robusta precisa ser vanguarda em ciência e tecnologia, ter uma política industrial avançada, assegurar sua soberania alimentar, energética, econômica e territorial. O aumento da produtividade e da competividade permitirá maior participação do trabalho na renda nacional. Uma distribuição mais harmônica da renda e da riqueza tem importância econômica e social. Dá sustentabilidade ao crescimento e legitimação política para o NPND.

Esses fatores social e econômico se entrelaçam com o fator político. Uma força de trabalho ocupada e bem remunerada é imprescindível para alavancar o governo responsável pela execução do projeto de desenvolvimento A democracia ampliada é um imperativo do projeto. Diferentemente de outros períodos de crescimento da economia, onde não havia democracia nem distribuição da renda e da riqueza.

A experiência histórica ensina que a participação plena das forças políticas e sociais em todos os estágios de elaboração e execução do novo projeto é um meio eficaz para garantir não apenas uma ampla adesão ao projeto como para acumular forças para remover os enormes obstáculos que os interesses contrariados criarão.

A questão de classe e a questão nacional adquirem, nos dias de hoje, papeis singulares e entrelaçados diante da marcha civilizatória em curso no país. Com o advento do imperialismo, a libertação nacional, a conquista da soberania e da autodeterminação adquirem principalidade entre as questões estratégicas de interesse dos trabalhadores.

Diante de tais circunstâncias, à atual geração de trabalhadores cabe empreender o avanço civilizacional reclamado pela nação. Pela sua condição social, seu papel econômico e pelos seus objetivos históricos, os trabalhadores precisam estar nas primeiras trincheiras dessa luta. Os princípios, a estratégia e a tática devem levar isso em consideração. Na esfera da ação política, há que se ter plasticidade para viabilizar o projeto, a constituição da frente e a defesa dos interesses dos trabalhadores. Este é o tamanho do desafio.


(*) Dirigente nacional do PCdoB, Vice-Presidente da Central dos Trabalhadores e Trabalhadoras do Brasil – CTB

Abril de 2010

Nenhum comentário:

Postar um comentário